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nada vira do avesso sozinho

por Caio Lima
foto de luísa machado para caio lima

Caio Lima, engenheiro dissidente e simpatizante de alguma arte poética, tem como grande êxito a manutenção colaborativa da iniciativa REDE de Intrigas. Publicou pela Vilarejo Metaeditora os volumes Nada Vira do Avesso Sozinho (2019) e Nada Vira do Avesso Sozinho #02 (2020) em parceria com o poeta Paulo-Roberto Andel.


Nada Vira do Avesso Sozinho

II

À Ana Martins Marques

Tenho derrubado copos
Não mais sem querer
As mãos ensanguentadas têm lá seu sentido
É uma espécie de apropriação da dor
Como prova real, ainda que infantil.
Tenho derrubado
Copos taças cálices canecas jarras
Só não derrubo mais
Porque toda a louça me foi retirada
E do que foi esparramado
Só para valorar a dor
Ou colocar níveis
Quebrei cristais
Fiquei com a prata
Processos intencionais
Para justificar copos quebrados

X
Sinto gosto de sangue
Sinto e gosto
Por ser, definitivamente,
Das vezes que
Mordi a língua

Sinto cheiro de sangue
E não me atrai mais
Esse instinto antropofágico
Por isso prefiro esperar e
Morder a língua

O chão sujo de sangue
Me mostra que não
Existe companhia
Melhor que a segurança
Do silêncio

Mãos sujas de sangue
Me espancaram como
Forma de retórica
Para perguntas que
Se fizeram ininteligíveis

Daria na mesma
O sangue em minha boca
Se a diferença,
A sutil, não fosse
A última ideia intacta

Me alimento do sangue
Do próprio sangue
Que em silêncio
Se reproduz
Em palavras esdrúxulas

Afinal,
Sangue por sangue
Que eu faça do meu
Alimento próprio e refluxo
Até que eu me retire

Espero por pouco
E que não seja só
Exagero. Talvez eu
Aumente demais
O poder das ideias

Pareço estar preso
Na minha própria ideia
De que me dar meu sangue
É dar ao mundo
Menos um placebo

A quem eu tenho enganado?
Hemácias e plaquetas!
O novo ciclo do velho homem
Me alimento de mim
Porque já roubaram minhas ideias.

Não vou deixar que tirem minha vida.


Nada Vira do Avesso Sozinho #02

I

A sua voz não vem
de longe
e por sua vez
a minha voz
não chegará
por não
se mover.

Falemos despertos
pelas madrugadas
a fio sobre
nossas vidas
escrevamos cartas
sejamos solenes
e ao ler emulemos
a voz do outro
a que queremos

como esforço último
se não temos perto.

III

A morte em conjuntos de 3.
Manifesto e recomeço,
distúrbio em desalinho
com o passar dos terços.

A terça parte
e o terço.
Arrivederce, morte;
pois destrincho,

ágora.

Empunha a vela numa mão;
na outra mão o grafite.

Destrinchar vidas como fosse
de morte a única sorte.

Matar a sede, sebe adentro,
camuflada, com o preto veste
o indefectível pelo da noite
a molhar de sangue quem a bebe;

e os apócrifos escritos
aos alfarrabistas matam.

Donos de sebos já não
sabem quais livros servem,
como respostas que não estão em conjuntos de 3.


Inédito

LXXII

entre a boca e a testa
machados golpes bigornas
república
sem tempo pra ser
skatós solução última

a mais suja delas para o ocidente empolado

entre a boca e a testa
conta-se postos fluidos
sibilos imemoriais de cores
em telas criadas reais
atônito
da testa até a boca
da boca pra fora
palavra e perdigoto
fases do ser escatológico
e um ultimato pra ninguém


Foto de Luísa Machado.

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